Hoje, no conturbado momento político - com polarização agressiva -, é de suma importância que não pensemos apenas nos
próximos meses ou anos, e sim pensemos nos acontecimentos de forma ampla. Para tal, trago a luz
dois jargões que eventualmente são repetidos: "Um povo que não conhece
sua História está fadado a repeti-la". (Edmund Burke); e
"Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve" (Lewis
Carroll). Pois o brasileiro ou repete o erro, ou está planejando repeti-lo em alguns anos.
Num primeiro momento, é necessário destacar a conexão de
alguns acontecimentos históricos. Como exemplo de causa e consequência, mas sem entrar no mérito do assunto,
a Guerra Franco-Prussiana em 1870-71 teve como desfecho uma humilhante derrota
francesa, com a anexação alemã de territórios franceses e a Proclamação do Império da
Alemanha no Salão dos Espelhos do Palácio de Versailles. Após isso, a 1ª Guerra
Mundial teve como uma dentre suas várias causas o revanchismo francês pela
derrota e a perda de territórios.
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Proclamação do Império Alemão no Salão dos Espelhos em Versailles. |
No decorrer da guerra, o Império Russo e suas
instabilidades internas, potencializados pela impopular guerra, fome, mortes,
entre outros, acabou por irromper na Revolução Russa. Cabe destaque o interesse
alemão na saída da Rússia da guerra, a fim de terminar com a guerra de duas
frentes. Para tal, o Império Alemão fretou um trem fechado que levou Vladimir
Lenin de seu exílio na Suíça até o norte da Alemanha, viagem que teria como
destino final São Petersburgo. Em 1918 os Bolcheviques de Lenin assinariam o
tratado de Brest-Litovsk, com a saída da Rússia da guerra e a criação dos
estados da Polônia, Letônia, Lituânia e Estônia.
O Império Alemão, após a entrada dos
Estados Unidos na guerra, ofensivas fracassadas e agitações internas, acabou
por render-se (ainda que seus exércitos estivessem em solo estrangeiro). O
tratado de paz, conhecido como Tratado de Versailles foi assinado no Salão dos
Espelhos do referido palácio. O tratado culpou a Alemanha por toda a guerra e
impôs pesadas reparações de guerra.
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Tratado de Versailles, assinado no Salão dos Espelhos do palácio. Pôs fim oficial a 1ª Guerra Mundial |
Na esteira dos acontecimentos, em 1933 o Partido Nazista, sob a tutela de Adolf Hitler, mobiliza uma Alemanha humilhada
e cambaleante pelos efeitos das reparações de guerra, pela grande depressão,
pelo mito da facada nas costas, entre vários outros. Assim, dá-se início ao
rearmamento alemão que teria como desfecho a 2ª Guerra Mundial.
A Werhmatch¹ acabaria por dominar toda a
Europa continental. A França, derrotada em 45 dias, assinaria um armistício no
mesmo vagão no qual a Alemanha também assinara em 1918, porém agora na condição
triunfante. O Reino Unido lutaria sozinho até a invasão alemã da União
Soviética na Operação Barbarossa² em junho de 1941.
Ao findar da guerra, o
triunfo dos aliados rapidamente deu início à Guerra Fria. Estados Unidos e União Soviética foram
antagonistas na corrida espacial, travaram guerras por procuração no Coreia,
Vietnã, Afeganistão, e se envolveram em golpes de estado no Leste Europeu, na
Revolução Cubana, apoiariam ditaduras na América Latina, incluindo o Brasil. Na Ásia, a URSS apoiaria Mao Tse Tung em sua revolta comunista, que resultou na
atual República Popular da China. São inúmeros os grandes eventos nessa cadeia
de acontecimentos, que ainda não terminaram e moldam nosso mundo atual.
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As duas superpotências da Guerra Fria: EUA x URSS
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A URSS, por suas crises internas e a incapacidade de
competir com os EUA, desmoronaria em 1991, dando origem a mais de uma dezena de
estados. Um deles, a Ucrânia, está no centro da atual "Operação Militar
Especial" russa. Sobre esse último acontecimento, de resultados
imprevisíveis, já é causa de grandes agitações econômicas e políticas contemporâneas.
O que quero destacar comentando esses
acontecimentos é que tudo está interligado, ou seja, os grandes acontecimentos
não são isolados dos acontecimentos anteriores. Assim como o conhecimento levou o velho
continente à guerra, também o manteve em paz desde 1945. Foi necessário séculos
de guerras até que o conhecimento tornasse a Europa o bom lugar de se morar que
é hoje.
A Revolução Francesa, com seus ideais de Liberdade,
Igualdade e Fraternidade, pôs fim ao absolutismo e resultou no despotismo de
Napoleão Bonaparte, embora aqueles ideais sejam a base da democracia moderna.
As guerras napoleônicas conquistariam toda a Europa continental, e após o
fracasso francês na Batalha de Trafalgar, que garantiu a soberania inglesa
sobre todos os mares, Napoleão impôs o bloqueio continental, proibindo qualquer
país europeu de negociar com a Inglaterra, visando estrangulá-la
economicamente.
O Reino de Portugal e Algarves, que
possuía uma aliança diplomática com a Inglaterra desde 1386 — que dura até os
dias de hoje — ficou encurralado: Dependia do comércio com a Inglaterra e não
possuía forças terrestres capazes de resistir ao exército francês.
O episódio mostra que talvez tenhamos herdado parte do
"jeitinho brasileiro" dos portugueses. Com a pressão inglesa pela
manutenção do comércio e seguidos ultimatos franceses, o príncipe regente D
João VI fez malabarismos diplomáticos: dizia para Inglaterra que iria continuar
comerciando e à França que aderiria ao bloqueio continental. Chegou até mesmo a
sugerir que declararia guerra à Inglaterra, Porém, a grande fonte da riqueza
portuguesa era a colônia brasileira, motivo pelo qual decidiria por deixar
Portugal desprotegido e fugir para o Brasil.
A decisão de embarcar para o Brasil foi inédita para o
momento: a metrópole transferindo sua capital para a colônia. A rainha D Maria
I (intitulada "a Louca") teria dito para o cocheiro de sua carruagem
no trajeto entre o palácio e o porto "vá mais devagar, vão pensar que
estamos fugindo" enquanto o povo perecia
desesperado nas ruas diante do iminente ataque francês. É uma passagem cômica
que externaliza alguns sentimentos que temos hoje.
Quando as forças do general Junot chegaram em Lisboa, os
galeões portugueses ainda eram visíveis no horizonte. D João VI deixara o
general a ver navios. É essa uma das possíveis origens desse ditado.
Posteriormente Napoleão diria que D João VI "foi o único que me enganou".
Com a vinda da família real para o Brasil, teria início os eventos que levariam
a nossa independência.
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Quando o general Junot chegou a Lisboa, ainda era possível ver os navios com a família real e a corte portuguesa no horizonte, em direção ao Brasil. Na imagem, a nau capitânia Nossa Senhora da Conceição, renomeada para Príncipe Real em 1794. |
Conforme os leitores podem observar
por essas duas linhas do tempo, acontecimentos como a revolução francesa são
algumas das causas da independência do Brasil, embora seja causa indireta, sem
ela não teria como ter ocorrido (pelo menos na mesma época ou circunstâncias).
Assim como as decisões que tomamos hoje podem ter resultados inesperados no
futuro.
Glossário e fontes utilizadas
¹Werhmatch: Eram as forças armadas alemãs, com tradução literal para "Força de Defesa". Compreendia o Heer (exército), Kriegsmarine (Marinha de Guerra), Luftwaffe (força aérea).
GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha
louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a
História de Portugal e do Brasil.;
WIKIPÉDIA. https://pt.wikipedia.org/
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O Breve
Século XX (1914-1991).